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sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Filho conhece pai aos 19 anos e o convence a largar crack: 'ameacei usar também, e ele não queria essa vida para mim'.


Vigilante teve relacionamento rápido com mãe de militar e não foi informado da gravidez. Em cartas, homem declara amor ao jovem; 'vou ser grato o resto de minha vida por você existir', escreveu.

O nome do pai na certidão de nascimento chegou junto com uma missão para o brasiliense Leonardo Pereira Roque. Ele sonhava com o dia em que descobriria a própria origem e tiraria "paternidade não declarada" dos documentos. Com a identificação do genitor, o militar ganhou irmãos, madrasta e também uma responsabilidade: ajudar a administrar o vício de Orlandino Roque em crack. Graças a um apelo do jovem, tudo mudou, e o vigilante topou buscar reabilitação.

"Eu falei assim: 'olha, se você não for para a clínica, vai perder mulher, vai perder filhos, porque eu não vou correr atrás mais. E eu vou lá na boca, e a gente vai usar a droga juntos'. Essas palavras foram muito fortes, acho, porque ele não queria para mim a vida dele. Então ele aceitou ajuda."

O militar só descobriu o nome do pai aos 19 anos, quando a mulher estava grávida. Soldado do Exército, ele conta ter se lembrado das brincadeiras e chacotas de que foi alvo na infância por causa da situação e disse que desejou que com a filha fosse diferente. O jovem consultou a avó materna, por quem foi criado, que indicou que ele conversasse com a mãe.

"Ela me disse que eles foram colegas de escola e tiveram um romance rápido", conta o rapaz ao G1. "Aí eu fui à escola e consegui conversar com a diretora. Expliquei minha situação, e ela me deu o endereço da casa dele. Só que ninguém morava mais lá, porque meus avós paternos morreram."

O militar deixou os próprios contatos com uma vizinha. Sem nenhuma notícia três semanas depois, voltou ao local e recebeu uma surpresa: o pai havia passado e deixado um número de telefone.

"Liguei para ele. Não sabia o que falar. Aí falei que tinha uns papeis para ele assinar, do certificado de reservista. Aí ele falou que não tinha o que assinar e que marcaríamos um contato para eu explicar direito", lembra.

Silva Roque conversou com a mulher, que deu força para ele ligar e falar a verdade. "Falei: oi, meu nome é Leonardo, e tem 20 anos que você teve um caso com a minha mãe, Aparecida."

Pai e filho se encontraram no dia seguinte e planejaram o teste de DNA, que confirmou o parentesco. Dois meses depois da averbação do nome do vigilante no registro de Silva Roque, o jovem recebeu uma ligação da madrasta.

"Fizemos um almoço pela manhã para eu conhecer a família, e à noite a esposa dele me liou e contou sobre o vício em drogas. Fiquei muito triste. Eu pensava 'acabei de conhecer meu pai e posso perder ele'. Imaginava como ajudar, mas também não tinha muito conhecimento nem intimidade com ele."

Silva Roque descobriu então que o vício do pai era anterior à época em que ele nasceu. O vigilante começou com maconha e merla. Depois, partiu para cocaína. Por causa do valor da droga, migrou para o crack. A madrasta estima que ele já chegou a gastar R$ 35 mil em um único mês comprando entorpecentes.


"Chamei ele para conversar, falei que a neta dele estava para nascer, e a vida dele ia se acabar. A esposa dele me ligava e falava que ele passava dias fora de casa. Ele gastou o dinheiro da venda da casa dos meus avós com isso."

O militar lembra que a madrasta costumava desabafar com ele e chegou a falar ter chegado ao limite. "Ela dizia que não aguentava mais, que ele só trabalhava para o vício dele. Que ele saía de casa de madrugada e deixava tudo aberto. O pessoal que da boca de fumo ia lá cobrar dele o dinheiro que ele estava devendo."

Desconsolado, o jovem passou alguns dias pensando em como poderia ajudar o pai. Foram várias tentativas nos últimos quatro anos. No meio de 2017, porém, o rapaz decidiu fazer um ultimato e pediu a ajuda dos três irmãos e das tias. Em um almoço de família, o vigilante foi pressionado a se tratar.

De acordo com o soldado do Exército, o pai concordou com a internação, mas não parecia sincero. "Isso foi me deixando mal. Passei a semana angustiado. Fiquei tão triste que perceberam no trabalho. Aí meu chefe me indicou uma clínica, me explicou o trabalho e eu gostei."

Silva Roque procurou então o pai e "ameaçou" também se envolver com drogas caso ele não se internasse. Sensibilizado, o vigilante topou ir para a clínica Salve a Si.

"Ele disse que não sente mais vontade de nada. Que ele quer aproveitar a vida, que passou muito tempo na destruição, na droga, e que agora ele quer aproveitar e quer fazer viagem em família. Sinto que ele está decidido", afirma Silva Roque.

Gratidão


Cartas enviadas pelo vigilante Orlandino Ferreira Roque ao filho mostram a importância do ato do jovem na vida do pai. Os textos são marcados por agradecimentos, declarações de amor, pedidos de visita e lembranças à neta e à nora.

"Precisou passar 19 anos para um anjo aparecer e tocar o meu coração. Você filho, quando você entrou para a minha família, tudo mudou. Caramba quando você, Leonardo, falou aquele dia que se eu não parace de fumar essa droga la em casa na porta você lembra? Você disse pai se você não parar eu vou usar junto com você, e eu falei Leo você ta doido? Não fosse isto, foi ai que eu decidir não usar mais (sic)."

Em outra carta, o vigilante lamenta não ter conseguido falar com o filho por telefone. "Tentei te ligar 2x na quarta feira não conseguir, tocava tocava e você não atendeu. Não tem problema. Sei como é. Vou ser grato o resto de minha vida por você existir (sic)."

Em outra correspondência, o homem fala que quer "recuperar o tempo perdido". "Você apareceu para fazer a diferença em minha vida. [...] Te amo muito. O que você fez foi genial."

Apesar da gratidão do pai o rapaz não se vê como herói. "Acho que eu fiz o que qualquer filho faria. Eu fiz o que estava ao meu alcance. E eu quero fazer o melhor para ele, quero ajudar."

O soldado disse ter certa mágoa da demora para conhecer o pai, mas diz não se render a isso. Segundo ele, o avô materno, já falecido, contribuiu para que ele conseguisse lidar com a situação.

"Sofri quando criança. Pessoas da minha família por parte de mãe diziam que eu não ia prestar, que eu ia ser bandido por não ter pai. Na escola, ouvia que era filho de chocadeira. Querendo ou não a gente sofre. Eu não sabia quem eu era, se eu tinha irmãos. Tinha medo de namorar e a menina ser minha irmã."

Portal do Oeste News.
Portal G1.

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